Depois das emoções de Lisboa naquele mês de Abril regressei
ao Funchal e mergulhei diretamente no Festival de Cinema Italiano, evento para
o qual trabalho há três anos a esta parte com responsabilidades na comunicação
do mesmo na Madeira em colaboração com a distintíssima Edicarte. E tal como nos
anos anteriores tive oportunidade de apreciar mais um punhado de bons filmes do
novíssimo cinema italiano, dos quais retive o excelente “Io Sono Li”, aliás o
vencedor do Festival.
“Eu sou Li”, em português mas cujo título no nosso país
foi traduzido para “Li e o Poeta” é uma belíssima película de Andrea Segre que conta a
história de Shun Li, uma chinesa que se vê obrigada a trabalhar num bar de
Chioggia, uma vilória na margem da lagoa veneziana e que sonha pagar o
empréstimo da viagem para a Europa aos dirigentes da poderosa comunidade chinesa
que dirigem os negócios locais para poder trazer o seu filho de oito anos. O
filme conta a amizade de Li com Bepi, o velho pescador, poeta e imigrante
jugoslavo, frequentador do bar onde ela trabalha.
A envolvência no Festival de Cinema Italiano é
sempre motivo para interessantes conversas com Stefano Savio, o simpático
diretor do Festival, que se apaixonou por Portugal depois de ter vindo aqui
parar para fazer Erasmus, desta vez as conversas incidiram essencialmente sobre
as suas expectativas em relação à extensão do seu Festival que iria decorrer no
mês seguinte em Luanda, minha terra natal.
Interessantes também os momentos passados com Peter
Marcias, o regista de “Dimme Che Destino Avrò”, muito interessado na
cultura e na história da ilha, ele também ilhéu da Sardenha, fascinado com a
Madeira depois de ter excursionado pela costa norte com o Francisco Faria
Paulino, sempre impecável no seu papel de anfitrião.
Marcias apaixonou-se com o sabor da icónica
laranjada madeirense, refrigerante que se produz continuamente desde 1872, e
chegou mesmo a mostrar o seu interesse em filmar na nossa ilha uma história à
volta da dita bebida e de um professor de história que serve de guia aos forasteiros,
inspirando-se na figura do próprio Francisco Faria Paulino.
Acabado o Festival, retemperadas, quanto baste, as
forças, foi o regresso ao trabalho, onde nem sequer faltou o inevitável
desaguisado com gente, e chamar gente é efetivamente um favor, que se vitimiza
a todo o instante e entende que o histerismo é meio caminho para se alçar ao
pedestal, o que desde logo motivou a antecipação das minhas férias previstas no
âmbito do meu envolvimento na Festa da Cultura do Funchal.
Durante 11 dias foram as vivências de um evento que
é já uma referência da cidade e que me dá muito prazer, apesar do desgaste,
participar e colaborar com uma verdadeira equipa maravilha, este ano renovada e
mais depurada. Entre a Feira do Livro, com os seus lançamentos e apresentações,
espetáculos de diversa índole de rua e de palco, o cortejo histórico e a
leitura coletiva de a “Ilha de Circe” de Natália Correia, foram dias de muito
prazer cultural.
Coincidindo o início da Festa da Cultura no dia 25
de Abril, e não tivéssemos nós na equipa um “Capitão de Abril”, comemorámos a
efeméride à nossa maneira com a passagem de música ambiente dos tempos áureos
da chamada música de intervenção, com todos os nomes sonantes da mesma.
Apanhámos também o 1º de Maio e, efetivamente, já
não há comemorações do Dia do Trabalhador como antigamente. O Jardim Municipal
foi monopolizado, como habitualmente, pelas comemorações da União dos
Sindicatos da Madeira, devidamente engalanado, e durante todo o dia a música estridente
foi interferindo com o nosso programa. Se estávamos à espera que a música que saísse
dos altifalantes daquela celebração fosse alusiva ao dia enganem-se. Entre Quim
Barreiros e forró se foi fazendo o alinhamento ao longo do dia ainda antes dos discursos.
O dia seguinte foi também de comemoração, já que
coincidiu com o meu aniversário e os companheiros resolveram fazer no final do
dia uma celebração simbólica, que caiu bem, com um espetacular e minúsculo bolo
de aniversário, e tive ainda direito a presente do meu amigo Faria Paulino, que
me ofertou “As Memórias Secretas da Rainha D. Amélia”, de Miguel Real, que
aguarda na fila o momento para ser lido.
Tal como venho referindo nestas últimas crónicas,
este evento foi também de emoções. Pelos acontecimentos vivenciados, o reencontro
com gente que só nestas ocasiões se vê, o café com o bom amigo João Faria para
pormos, ainda que fugazmente, a bilhardice em dia, o convívio com os autores e
artistas, os amigos novos que se criaram, os amigos que há já tanto tempo não
víamos e a quem demos um abraço apetecido, as conversas literárias e/ou
culturais com este e com aquele, conforme a circunstância, a música portuguesa
e madeirense, essencialmente, que libertávamos da nossa cabine de trabalho
intercalada pela voz do Nuno Veiga, com uma ou outra conferência, em jeito de
abraço, da música brasileira, africana de expressão portuguesa e até goesa e em
momentos mais calmos uma sonata de Liszt.
Foram 11 dias de efetiva emoção, partilhada com os
nomes já referidos a que acrescento a Analisa Branco e o Fábio Correia, vários
textos feitos para distribuição aos Media e mais de um milhar e meio de fotos
tiradas, refeições tomadas a correr, sozinho ou em boa companhia e com boa
conversa
Aproveitando os preços baixos e uma ou outra
oferta, a mesa da sala lá de casa acumula agora mais uma série de livros em
lista de espera para a devida leitura. Para serem lidos intercalados uns com os
outros, tais os estilos diferenciados e temas apetitosos.
Gosto imenso do que faço e estes momentos, apesar
do stresse contínuo, sabem sempre bem. Obrigado pelas emoções que nos oferecem.
E no dia seguinte ao evento, já desligado de tudo
mas ainda com as emoções à flor da pele, o dia transforma-se em dia de glória
em que cada momento é já facto a merecer um ensaio para uma “Teoria Geral do
Imprevisto” que um dia há-de ser escrita.
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