quinta-feira, 11 de julho de 2013

O meu amigo Faria Paulino

Entre 1974 e 1977, era eu jovem adolescente na vivência dos meus 15,16,17 e 18 anos, emergimos na autêntica bebedeira cultural que se viveu neste país, depois da longa noite do Estado Novo.
Foi a época em que, através do teatro, do folclore, do cinema, da literatura, das artes plásticas, e tantos outros eteceteras, corremos o distrito de Viana de Castelo nessa cosia que se chamava “dinamização cultural”, de que um dia destes voltarei aqui a excursionar em jeito de memória escrita.
Lembro-me bem, ainda no tempo da televisão a preto e branco, sem comando, nem forma de gravar, das imagens das ações do MFA e do Capitão Paulino a fomentar a tal dinamização cultural pelo país.
Anos mais tarde, quase 30 anos depois começaria a minha relação com o Francisco Faria Paulino, hoje coronel na reforma e, mais do que um dinamizador cultural, um verdadeiro agitador cultural, sobretudo nestes anos em que, regressado à sua Madeira natal, tem sido, através da sua Edicarte, o organizador e produtor dos principais eventos culturais, no sentido mais alto que o conceito possa abranger, da Região Autónoma da Madeira.
Tenho a satisfação de fazer parte da sua equipa, ajudando a construir não só uma infinidade de fantásticas iniciativas, da música ao cinema e das artes à literatura, e, sobretudo, fruir a sua amizade e partilhar a imensidão do seu saber.
Nos momentos de convívio extra eventos, que vão sendo cada vez mais raros, temos conversado sobre tanta coisa. Muita gente, sobretudo os mais novos, não conhecem nem sabem o seu papel em muitos dos acontecimentos deste país, e não falo só de momentos políticos do tempo da alvorada democrática, mas de muitas outras situações. Dos tempos do Colégio Militar às comissões de serviço militar em Moçambique e na Guiné, passando pela Galeria Altamira, a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, a Expo de Sevilha e a Expo 98, têm sido muitas as histórias, saborosas aliás, que tenho ouvido em serões, muitas vezes à mesa de um bar ou esplanada da zona velha da cidade entre uma Coral gelada e uns dentinhos típicos da Madeira.
Coerente nos seus ideais, admiro-lhe não só o saber que lhe molda o carácter, mas também a sua frontalidade. Tal como ele, não tenho paciência para imbecis, idiotas e outros tontos que pululam pela fauna desta terra e deste país de cenário que, escudados no diploma de filho de pai ou filho de mãe, se julgam grandes no alto da sua pequenez.
Admiro-lhe sobretudo a sua discrição e postura anti ribalta. É, talvez, o único Capitão de Abril que não escreveu as memórias nem lhe escreveram qualquer livro. Tão só porque não quer! E como ele teria tanto para contar!
Apaixonado pelo mundo mágico da televisão e do cinema escreveu, produziu e apresentou diversos documentários para a RTP-Madeira sobre a sociedade, a história, a economia, a cultura, entre outros temas, deste arquipélago e que têm merecido o devido reconhecimento por parte do público. E como a sua vivência da passagem do poder do Portugal colonial para os novos governantes na Guiné Bissau daria uma excelente série de televisão.
Deixo-vos aqui a entrevista que o meu amigo Francisco Faria Paulino deu ao Virgílio Nóbrega na RTP-Madeira no dia 25 de Abril de 2013.
E como o Faria Paulino costuma terminar os seus programas de televisão também vos digo “passem todos muito bem”.


quinta-feira, 4 de julho de 2013

Emoções II

Depois das emoções de Lisboa naquele mês de Abril regressei ao Funchal e mergulhei diretamente no Festival de Cinema Italiano, evento para o qual trabalho há três anos a esta parte com responsabilidades na comunicação do mesmo na Madeira em colaboração com a distintíssima Edicarte. E tal como nos anos anteriores tive oportunidade de apreciar mais um punhado de bons filmes do novíssimo cinema italiano, dos quais retive o excelente “Io Sono Li”, aliás o vencedor do Festival.
“Eu sou Li”, em português mas cujo título no nosso país foi traduzido para “Li e o Poeta”  é uma belíssima película de Andrea Segre que conta a história de Shun Li, uma chinesa que se vê obrigada a trabalhar num bar de Chioggia, uma vilória na margem da lagoa veneziana e que sonha pagar o empréstimo da viagem para a Europa aos dirigentes da poderosa comunidade chinesa que dirigem os negócios locais para poder trazer o seu filho de oito anos. O filme conta a amizade de Li com Bepi, o velho pescador, poeta e imigrante jugoslavo, frequentador do bar onde ela trabalha.

A envolvência no Festival de Cinema Italiano é sempre motivo para interessantes conversas com Stefano Savio, o simpático diretor do Festival, que se apaixonou por Portugal depois de ter vindo aqui parar para fazer Erasmus, desta vez as conversas incidiram essencialmente sobre as suas expectativas em relação à extensão do seu Festival que iria decorrer no mês seguinte em Luanda, minha terra natal.
Interessantes também os momentos passados com Peter Marcias, o regista de “Dimme Che Destino Avrò”, muito interessado na cultura e na história da ilha, ele também ilhéu da Sardenha, fascinado com a Madeira depois de ter excursionado pela costa norte com o Francisco Faria Paulino, sempre impecável no seu papel de anfitrião.
Marcias apaixonou-se com o sabor da icónica laranjada madeirense, refrigerante que se produz continuamente desde 1872, e chegou mesmo a mostrar o seu interesse em filmar na nossa ilha uma história à volta da dita bebida e de um professor de história que serve de guia aos forasteiros, inspirando-se na figura do próprio Francisco Faria Paulino.
Acabado o Festival, retemperadas, quanto baste, as forças, foi o regresso ao trabalho, onde nem sequer faltou o inevitável desaguisado com gente, e chamar gente é efetivamente um favor, que se vitimiza a todo o instante e entende que o histerismo é meio caminho para se alçar ao pedestal, o que desde logo motivou a antecipação das minhas férias previstas no âmbito do meu envolvimento na Festa da Cultura do Funchal.
Durante 11 dias foram as vivências de um evento que é já uma referência da cidade e que me dá muito prazer, apesar do desgaste, participar e colaborar com uma verdadeira equipa maravilha, este ano renovada e mais depurada. Entre a Feira do Livro, com os seus lançamentos e apresentações, espetáculos de diversa índole de rua e de palco, o cortejo histórico e a leitura coletiva de a “Ilha de Circe” de Natália Correia, foram dias de muito prazer cultural.
Coincidindo o início da Festa da Cultura no dia 25 de Abril, e não tivéssemos nós na equipa um “Capitão de Abril”, comemorámos a efeméride à nossa maneira com a passagem de música ambiente dos tempos áureos da chamada música de intervenção, com todos os nomes sonantes da mesma.
Apanhámos também o 1º de Maio e, efetivamente, já não há comemorações do Dia do Trabalhador como antigamente. O Jardim Municipal foi monopolizado, como habitualmente, pelas comemorações da União dos Sindicatos da Madeira, devidamente engalanado, e durante todo o dia a música estridente foi interferindo com o nosso programa. Se estávamos à espera que a música que saísse dos altifalantes daquela celebração fosse alusiva ao dia enganem-se. Entre Quim Barreiros e forró se foi fazendo o alinhamento ao longo do dia ainda antes dos discursos.
O dia seguinte foi também de comemoração, já que coincidiu com o meu aniversário e os companheiros resolveram fazer no final do dia uma celebração simbólica, que caiu bem, com um espetacular e minúsculo bolo de aniversário, e tive ainda direito a presente do meu amigo Faria Paulino, que me ofertou “As Memórias Secretas da Rainha D. Amélia”, de Miguel Real, que aguarda na fila o momento para ser lido.

Tal como venho referindo nestas últimas crónicas, este evento foi também de emoções. Pelos acontecimentos vivenciados, o reencontro com gente que só nestas ocasiões se vê, o café com o bom amigo João Faria para pormos, ainda que fugazmente, a bilhardice em dia, o convívio com os autores e artistas, os amigos novos que se criaram, os amigos que há já tanto tempo não víamos e a quem demos um abraço apetecido, as conversas literárias e/ou culturais com este e com aquele, conforme a circunstância, a música portuguesa e madeirense, essencialmente, que libertávamos da nossa cabine de trabalho intercalada pela voz do Nuno Veiga, com uma ou outra conferência, em jeito de abraço, da música brasileira, africana de expressão portuguesa e até goesa e em momentos mais calmos uma sonata de Liszt.  
Foram 11 dias de efetiva emoção, partilhada com os nomes já referidos a que acrescento a Analisa Branco e o Fábio Correia, vários textos feitos para distribuição aos Media e mais de um milhar e meio de fotos tiradas, refeições tomadas a correr, sozinho ou em boa companhia e com boa conversa
Aproveitando os preços baixos e uma ou outra oferta, a mesa da sala lá de casa acumula agora mais uma série de livros em lista de espera para a devida leitura. Para serem lidos intercalados uns com os outros, tais os estilos diferenciados e temas apetitosos.

Gosto imenso do que faço e estes momentos, apesar do stresse contínuo, sabem sempre bem. Obrigado pelas emoções que nos oferecem.
E no dia seguinte ao evento, já desligado de tudo mas ainda com as emoções à flor da pele, o dia transforma-se em dia de glória em que cada momento é já facto a merecer um ensaio para uma “Teoria Geral do Imprevisto” que um dia há-de ser escrita.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Emoções I

Tenho à minha frente o segundo dia útil de Julho. Anteontem foi feriado na Madeira.
O ano chegou a meio. Este ano que não sei se vai bem ou se vai mal ou se antes pelo contrário, como diria o outro!
Dou comigo a pensar em tanta coisa e de repente dou-me conta de que este último trimestre foi cheio de emoções.
Entre a rotina doméstica e profissional, vivências culturais e artísticas, amigos novos que conheci, velhos amigos que revi, familiares que reencontrei depois de dezenas de anos de ausência, viagens algo inesperadas, Abril, Maio e Junho foram meses de muita emoção à flor da pele.
Da viagem a Lisboa em Abril ainda estão na memória não só os momentos em que coloquei em dia saudades daquelas com quem partilho o quotidiano, ainda que muitas vezes á distância, e a quem chamo efetivamente de família, como os encontros com Mestre Chagas e com o Jorge.
A última vez que estive com Mestre Chagas foi seguramente há uma dúzia de anos. Personagem multifacetada, Mestre Chagas é daquelas pessoas por quem se nutre admiração e se fica agradecido para toda a vida. Ensinou-me muito do que fui profissionalmente durante uma fase da minha vida e em que trabalhámos juntos, nos idos dos anos 80 e 90 e num cenário onde ser filho de papá ou pertencer a uma família com pedigree era mais importante que a competência individual e o saber feito de cada um.
Foi um prazer revê-lo e deste reencontro ficou, efetivamente, uma emoção forte. Durante horas revivemos velhos tempos e pusemos em dia as desventuras de cada um e dos outros. Foi triste tomar conhecimento da lista de companheiros e amigos, alguns ainda bem jovens, que a morte levou de forma impiedosa.
No final deste reencontro guardei o forte abraço que me deu e o desejo de que em breve nos reencontremos e não mais fiquemos tantos anos sem contacto.
Nesse mesmo dia 12 de Abril reencontrei o Jorge e foi outra explosão de emoções.
A última vez que nos encontrámos foi há 25 anos. Precisamente em 1988, em plena Avenida da Liberdade, num encontro fortuito frente ao Cinema S. Jorge. Eu tinha vindo para Lisboa onde tinha iniciado há pouco mais de um ano uma carreira na função pública e ele era um jovem médico ainda, creio eu, na sua fase de estágio.
Temos praticamente a mesma idade. Conhecemo-nos no “glorioso” ano de 1975 em Viana do Castelo. Eu tinha chegado de Angola em Dezembro, ele viera de Moçambique. Fomos viver para o mesmo prédio.
Em minha casa éramos 11 pessoas. Uma casa onde a única coisa que havia era pessoas, porque tudo o resto era apenas paredes. Não havia mobília e a esperança era também escassa. Coisas da História, enfim…
O Jorge vivia no terceiro andar com a sua mãe, a queridíssima D. Lola, que tanto nos acarinhou. A casa do Jorge era mágica porque tinha algo que nos não tínhamos nos primeiros tempos, um aparelho de televisão. A nossa ligação ao mundo era feita através de um rádio pelo qual íamos sabendo das notícias, sobretudo do que se passava em Angola onde ficara o meu pai e outros familiares.
Em casa do Jorge passamos muitos serões vendo televisão. Víamos os telejornais inflamados da época, as sessões de canto livre, as campanhas de dinamização cultural do MFA, as séries sobre a II Guerra Mundial, os filmes do Sergei Eisenstein, os espetáculos com os saltitantes artistas chineses, os desenhos animados do Tex Avery ou dos países de Leste que terminavam com a palavra koniec e eram previamente apresentados pelo Vasco Granja.
Ambos estudávamos no Liceu de Viana e íamos juntos para as aulas e juntos regressávamos a casa e a nossa amizade foi-se estabelecendo. Ao fim de semana lá íamos até ao Cinema Palácio ou ao Teatro Sá de Miranda ver filmes para adultos, apesar de ainda não termos 18 anos conseguíamos entrar. Por vezes, quando não tínhamos aulas íamos até à Praia Norte dar uns mergulhos naquelas águas geladas entre rochas e sargaços.
Mais tarde deixei Viana do Castelo e desencontrámo-nos. Não havia telemóveis, emails, redes sociais, etc. Até aquele reencontro em Lisboa em 1988, para depois nos voltarmos a desencontrar, desta vez durante um quarteirão de anos, até que através dessa coisa chamada Facebook e ao facto de ele ter um apelido invulgar, Governa, fez com que nos encontrássemos novamente e fossemos mantendo o contacto, pelo menos via computador.
Finalmente surgiu a oportunidade e naquela tarde de 12 de Abril deste ano, 25 anos depois, o Tó e o Jorge voltaram a dar um forte abraço e lá estávamos nós, mais velhos, mais gordos, com mais ou menos rugas a falar do nossos passado comum, do passado de cada um, da família que se não conhece e uma infinidade de etecéteras.
Foi bom reencontrar o Jorge. Muito bom mesmo. Conheci ainda a mulher que veio ter connosco. Ficaram promessas de novos reencontros assim a vida nos permita.
O Jorge, melhor dizendo o senhor Dr. Jorge Governa, fez a maior parte da sua vida de médico no Exército de que agora passara à reserva.
Para além do prazer de estar com aquelas que me são queridas e que fazem parte da minha “vida de casa”, a Rosa e a Catarina, agora a viverem em Lisboa, a passagem pela capital, ainda que fugaz, sabe sempre bem e desta vez teve reencontros que mexeram comigo, apesar de o motivo que ali me levou me tenha deixado algo frustrado, uma vez que as coisas no movimento náutico nacional continuam a navegar em águas conturbadas e as vaidades de uns e os malabarismos de outros me deixem bastante triste.